quinta-feira, 15 de maio de 2008

Conto de uma noite de verão...

" - Como alguém perdido no espaço, no tempo, longe até das situações mais corriqueiras, S. anda por aí.

Aqui e acolá, passando por esquinas, ela vai como um planeta errante em busca da órbita perfeita.

O vento sopra levemente em seus cabelos. São seis da manhã. Os primeiros raios de Sol ainda não podem ser sentidos em sua pele morena, pois seu céu está nublado. O sono ainda não veio para a embalar com canções de ninar. Ela tem vagado pelas ruas como um espírito desencarnado por toda a madrugada. Ela anda pelas calçadas, meios-fios, linhas tortas, canções curtas, vida chata, puro tédio!

Na verdade, S. busca algo, como uma criança busca seu brinquedo favorito; algo bem importante. Ela procura dia, noite e madrugada por qualquer boa droga que a faça sentir-se mais segura!

(...)
Os passarinhos já podem cantar livremente. São sete da manhã. Ela senta no banco de uma praça inóspita e olha em volta, como se algo pudesse encontrar.

Seus olhos negros e amendoados estão inquietos. Venta muito. Um vento fresco. Um vento suave, típico das doçuras matinais. Seus longos cabelos cor de ébano descem pelos seus ombros e costas, ondulados como corredeiras. O vento forte o leva para lá e para cá, em uma fina dança.

As folhas caídas do outono iminente fazem breves redemoinhos em todo o lugar. Caem gotículas de água do céu, avisando que a qualquer hora pode o céu nos molhar.

"A vida em transição, pensa S., composta das mais variadas fases, com a beleza de várias possibilidades."

Os carros já começam a andar, correr, buzinar freneticamente na pequena cidade de Pão-de-ló.

Barulhos distintos, de todas as origens possíveis passam a encher o dia de S., como grãos que fazem a fartura de um prato.

Para ela, basta observar, ser voyeur deste mundo de medidas (bem ou mal tomadas, bem ou não cumpridas), e tentar, a passos curtos, passar por esta lida, sem precisar tropeçar nos cadarços.

"Que pode acontecer no dia em que tudo parece caminhar com a frieza e a estabilidade das geleiras seculares? Mas, qual a lógica da previsibilidade se mesmo as ditas 'seculares' estão a derreter dia após dia?", S. tenta compreender.

(...)
E os carros e pessoas e barulhos de todas as naturezas evaporam para todos os cantos, e parece ter sentido o enorme vazio que a preenche.

O relógio denuncia: são oito da manhã. Ela toma seu rumo de volta para casa.

As ruas não parecem as mesmas e até a velha solidão parece ter mudado de tonalidade. Versos pesados pairam sobre sua cabeça. Flores, cores, plantas e animais (irracionais e sub-racionais) estão por toda a parte!

Agora, que tudo ganhou ar de retorno, a nostalgia adentra seu corpo, e dentro de toda a natureza, tudo é iluminado pela luz do passado.

Não.
Não seria este um bom momento para reflexões nostálgicas, versificações puramente baseadas no que se foi, mas no que é! Isso sim merecia destaque...

E em todo esse clima de tempo já amanhecido, S. chega à sua porta. Parece o mundo ter parado, imerso no profundo vácuo do que chamamos de rotina (seu turbilhão de más vontades). Entre para baixo, para frente, para os lados, para cima e para si, seu olhar se confunde com seu desprazer.

(...)
Saem os primeiros feixes de luz do céu. Não mais nublado, o Sol vem abraçar seus pensamentos.

Que boa droga a tiraria desse tédio? ... Quem sabe a droga da vida."

(Autora: Kayla S. Rubem)




# While this town is busy sleeping
and all the noise has died away,
I walk the streets to stop my weeping,
'cause she'll never change her ways #

(Forget Her - Jeff Buckley)

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